Cerimônia da Vesaka
Brasília, 25 de maio 2013
O Zazen e a Confraternização na Cerimônia daVesaka
Vesaka é o nome para o mês lunar indiano da primavera, que corresponde ao nosso abril-maio; outono, no hemisfério sul. De acordo com as crônicas budistas, o buda histórico Shakyamuni nasceu, iluminou-se e morreu na Lua Cheia da Vesaka, no século 5 AEC (Antes da Era Comum). Esse dia passou, então, ao calendário budista como a data em que se celebra esses três acontecimentos da vida do príncipe Sidarta Gautama, o Buddha.
A Vesaka expressa,
assim, um momento de confraternização de budistas das diferentes escolas.
Neste
dia, além das reverências ao nascimento, à iluminação e à morte do Buda, os praticantes
relembram e enaltecem os elementos fundadores e comuns a todas as linhagens; a
saber, a mensagem de busca incondicional
da paz como perspectiva para a
humanidade e a aceitação da vida e da ordem cósmica no aqui e agora, em toda sua diversidade. Aceitam, mas reconhecem que também são agentes do devir, através
de suas ações. Em outras palavras, ao que está dado no universo, na vida, sejam motivos de alegria ou sofrimento, a dor
mais profunda, o choro mais agudo, a
felicidade mais sincera, a todas as coisas dadas neste momento, não se pode
subtrair ou acrescentar um grão de nada, que seja. Ao praticante cabe então
intervir na construção do futuro e de um viver onde a brutalidade na existência
humana seja pelo menos minimizada, e o respeito e a tolerância à diversidade
sejam pilares das relações sociais. Para
tanto, o ponto de partida budista contempla dois aspectos. Primeiro, procura-se
compreender os ensinamentos de que as coisas do mundo são na essência insubstancializadas,
impermanentes e interdependentes. Segundo,
para essa construção de paz, subjaz o entendimento, pouco difundido em nossa
época, de que toda infelicidade
produzida no mundo vem do ego, do desejo da felicidade para si; enquanto que toda
felicidade existente no mundo provém, de fato, do desejo de que o outro seja
feliz, como ensinava Shantideva.
Esta mensagem de paz do budismo se espalha e se
renova a cada novo encontro cultural,
como acontece em nosso país, abraçando-se
e caminhando de mãos dadas com tudo o
que produz o bem; evitando todo o mal.
Na
tradição Soto Zen do budismo japonês, introduzida e consubstancializada no
Japão por Mestre Dogen, no século XIII, também se comemora a Vesaka com este
espírito de confraternização, evidenciando o budismo através do zazen, a
meditação sentada, enquanto prática básica de Budas e Ancestrais.
É do
zazen que emana todo entendimento sobre o Dharma, que é o corpo dos
ensinamentos.
É do
zazen que provém toda manifestação de bodhichita, a compaixão budista.
É do
zazen que advém toda a percepção e entendimento da impermanência da existência
cósmica;
Emana do
zazen toda compreensão de unidade e interdependência de todas as coisas do
universo.
Através
do zazen o praticante alcança as quatro nobres verdades,
Através
do zazen o praticante realiza a senda óctupla e entra no Buddha-Dharma.
E como se
aprende zazen? Aprende-se com os Budas e Ancestrais. Aprende-se com Mestre
Dogen, quando repetidamente enfatizava, como
no seu Bukkyo, sobre os sutras budistas, que “tudo no Universo ensina o Caminho”.
Ou seja, as montanhas, os rios, o cosmo,
a Terra, a Lua, as flores do ipê e os centenários jatobás, todos ensinam os
verdadeiros e legítimos Sutras, todos ensinam zazen.
Para reacender
a cada dia esta prática experiencial, o praticante frequentemente recita os
nomes e presta reverências nas cerimônias aos Ancestrais. Repete e
reverencia, dentre outros não menos importantes, os nomes de
Shakiamuni
Buddha,
Mahakassyiapa,
o segundo patriarca que recebeu a transmissão do Buda,
Bodhidharma,
o primeiro patriarca na China, e vigésimo oitavo desde Shakiamuni,
Eno (ou
Huinen, em Chinês), o sexto patriarca na China,
Sozan e
Tozan, mestre e discípulo que emprestaram as iniciais de seus nomes para nomear
a escola Soto;
Mestre
Dogen, o grande Patriarca/Buda do Japão.
O
praticante reverencia os Ancestrais no Brasil; e
reverencia
a todos aqueles que se dedicam a ensinar o Dharma do Buddha na presente geração, e
que garantem a continuidade da mensagem
de paz do Budismo.
Na
Vesaka, o praticante presta reverências a todos esses do passado, do presente
e do futuro, e procura o refúgio nas três jóias do budismo: busca refúgio na Sangha,
que representa a pureza do budismo e sua manifestação concreta neste mundo;
busca o refúgio no Dharma, que representa os portais da libertação; e empreende
o refúgio no Buddha, que representa a
sabedoria e a natureza de todas as coisas. Também, reforça os preceitos; ou seja, o
preceito de não destruir a vida; o preceito de não possuir o que não for dado ou obtido
com trabalho; o preceito de comedição da fala; o preceito de evitar intoxicantes e o
preceito de manter relações amorosas procurando o bem, e evitando o sofrimento do
outro. Além disso, reaviva em si os seis paramitas, isto é: o cultivo da
compaixão e da generosidade; da ética do Caminho; da paz e da paciência; do
esforço permanente voltado para a prática; do samadhi – a concentração; e de prajna – a grande sabedoria. Ademais, acende
o incenso dos votos básicos, isto é:
o de dedicar a vida a ajudar a libertar todos seres, mesmo sendo estes
infinitos; o de estudar todos os Dharmas
do Buddha e atravessar os portões da
libertação, mesmo sendo estes incontáveis; o de cultivar todo bem e afastar-se
de todo mal, mesmo sendo estes inumeráveis; o de entrar na corrente da verdade do Buda e alcançar o estado Bodhi, mesmo sendo este
inalcançável. Esses são os koans básicos do budismo e que são resolvidos com a
prática do Caminho. A fé budista aqui se releva na confiança da palavra, dos
ensinamentos, da prática dos Budhas e Ancestrais e no cultivo da Mente Bodhi.
Desse
modo, o caminhar e a conquista da libertação, o deixar este lado do rio e ir
para a outra margem, o culto aos seis
paramitas e a realização dos preceitos são estabelecidos na prática do zazen; o
zazen de Dogen. Aquela ou aquele que senta em zazen com a confiança nos
ensinamentos dos Ancestrais, despindo-se de si mesmo, abandonando corpo e
mente, como clama Mestre Dogen, então aquele ou aquela adrenta o Budha-Dharma,
realiza a outra margem aqui e agora; perfaz
o Caminho de infinitos eons, e ilumina o universo inteiro. De modo outro,
aquele ou aquela percebe o vazio de todas as coisas e descobre que não há nem
ir nem vir, que não há rio, que não há margens, que não há morte, que não há nascimento,
que não há sofrimento, que não há nem ao menos vazio nem não-vazio, que não há
forma e nem não-forma, que não há
iluminação, que não há Buddha nem não-Buddha. Quando o praticante senta em zazen,
a Montanha, o Ipê e o Jatobá sentam em zazen; e a Terra, a Lua e o Rio andam em
Kinhin. Tudo fica como sempre esteve e estará, foi e será, pleno da grande sabedoria, pleno do Buddha-Dharma, que por sua
vez é pleno de tudo.
O zazen assim
praticado não produz vício, nem tampouco
é inanição ou inatividade, está para além do nascer e do morrer, está para além
de toda dualidade; em particular está além da dualidade sobre a natureza do Buda
e das coisas. Entretanto, se realiza/expressa/existe na dualidade, na pluralidade das formas díspares do samsara. Convém repetir que este é o ensinamento básico de todos os Ancestrais, estabelecendo-se
como uma síntese da prática do budismo vivo, compassivo e generoso.
Por isso,
aos praticantes, o zazen de Dogen passa a ser a prática básica.
Por isso a
prática do zazen de Dogen os define.
Por
último, esta prática, a partir da qual os praticantes da tradição Soto, da Cazazen, se confraternizam neste dia da Vessaka, esta prática, que é o olho do tesouro do
verdadeiro Dharma, a pérola brilhante que irradia todo universo e que está protegida
na caverna do dragão, por compaixão e
generosidade tem sido ensinada nessas terras pelo Mestre Tokuda, a quem as mais caras reverências são apresentadas.
Escrito
por: Berti Eko
P.S.: Este texto ganhou forma
devido as discussões, ensinamentos e orientações da
Monja Patrícia Sei Ho.
Monja Patrícia Sei Ho.