quinta-feira, 31 de maio de 2007

Texto da Cerimônia da Vesaka

Organização e compilação por Monja Gyoku En, lido na Cerimônia da Vesaka de 1º de maio de 2007.



Cantando o Sutra Tiçarana nós homenageamos as três jóias e pedimos perdão pelas nossas faltas. No ritual do arrependimento informal cantam-se os seguintes versos:

Todo o carma continuamente criado por mim
Desde os tempos antigos, por meio da cobiça, da raiva e da auto-ilusão
Que não tem princípio, nascido de meu corpo,
de minha fala e de meu pensamento,
Agora eu confesso, com toda a sinceridade.

“O ritual do arrependimento não significa pedir perdão a alguém por algum erro ou engano por algo que fizemos.”
“O arrependimento não é um estágio preliminar para tornar-se uma boa pessoa ou para entrar no mundo de Buda. Se assim for interpretado caímos na armadilha do dualismo, uma grande lacuna é criada entre nós e o objeto de que estamos tentando nos arrepender.”
“A paz verdadeira não pode ser encontrada no dualismo.”[1]
No Budismo, arrependimento significa nós nos deixarmos conduzir para estarmos presentes bem no centro da paz e da harmonia. O arrependimento “é a abertura total de nosso coração, que nos permite ouvir a voz do universo além dos limites da irritação de nossa consciência. O próprio arrependimento torna nossa vida perfeitamente pacífica.”[1]
“Existem três condições a serem consideradas no arrependimento:
- a 1ª: “devemos compreender o mundo do coração compassivo aceitando e perdoando todos os seres sem nenhuma exceção,” (...) pois “a mesma e única base da existência onde todos os seres sencientes a cada instante coexistem em paz e harmonia é profundamente compassiva.” (...) Dessa forma “podemos viver cada dia independentemente de cometer ou não enganos, independentemente do fracasso ou do sucesso, independentemente dos prós e dos contras. Mas é essencial não nos apegarmos nem aos enganos, nem às boas ações de nossa vida.”
“O arrependimento consiste em compreender exatamente a unidade entre todos os seres sencientes e Buda, entre a ilusão e a iluminação.” “Cada Coisa tem o direito de viver neste mundo em paz e harmonia, independentemente de nosso julgamento, de nossa avaliação. Cada coisa é Buda.”[1]
- a 2ª condição: aceitar prontamente a compaixão de Buda, efetivá-la em nossa vida cotidiana. “Temos de viver nossa vida dentro da plena compreensão de que já estamos perdoados, de que já temos permissão de viver e de que nós próprios devemos tornar viva nossa vida.”[1]
“Já fomos aceitos,” [1] (....) precisamos “dar valor à nossa vida.” “Precisamos constantemente tomar a iniciativa,” (....) evitar a preguiça. “O Buda é completamente puro e sereno, imóvel e também dinâmico, é dinamismo em movimento, além dos limites de nossos pensamentos e idéias.”
“Precisamos colocar nosso corpo e nossa mente bem no centro desse dinamismo em movimento. Isto se chama prática do não-egocentrismo.”[1]
- a 3ª condição: é o ritual. “Ritual significa pintar constantemente um retrato da nossa vida. Ativar a comunhão mútua entre nós e o universo, não entre nós e algo pequeno, mas entre nós e o universo.” [1]
“Devemos aceitar a vastidão da existência.” (....) “como podemos atrair a verdade se fechamos a porta?” (...) “Precisamos ver a nós mesmos e também a vastidão do espaço em que existem todos os seres sencientes”[1].
E então, quando realizamos algo bonito como esta cerimônia, entramos em contato com a energia, o sentimento e a luminosidade das coisas por meio do ritual e prestamos atenção à condição sagrada do mundo.
“Prestar atenção à condição sagrada do mundo nos traz harmonia para nosso ser individual e grupal” [2].
“A harmonia começa dentro de nós mesmos, dentro da harmonia do corpo e da mente, e estende-se para criar a harmonia com as outras pessoas, dentro da comunidade, entre as comunidades e com o cosmo. Todas essas energias são necessárias para a totalidade e a saúde.”
Estamos ”de tal forma acostumados com as discórdias e as guerras que só conseguimos entender harmonia em oposição a elas. Harmonia não deve ser confundida com total bem-aventurança ou paz inerte.”
“A harmonia é o correto funcionamento de tudo de acordo com sua natureza. Um furacão, a erupção de um vulcão, a explosão de uma estrela, encerram uma tremenda harmonia. Existe harmonia no trovão e nas tempestades acompanhadas de chuva que alimenta as plantações. Existe harmonia num rugido raivoso, se isto é necessário.”[2]pp.70,71.
“Precisamos ver a nós mesmos e também a vastidão do espaço em que existem todos os seres sencientes.” (...) Por isto “não devemos nos exibir,” (...) “porque o mundo está vivo,” somos apenas um canto desta paisagem e isto basta. Por isto fazemos silêncio e assim podemos ver o ritual em ação.

* Este texto é uma compilação de alguns trechos das referências [1] e [2]. Algumas outras observações e comentários foram introduzidos durante a leitura, mas não foram aqui transcritas.

Referências
1. D. Katagiri, Retornando ao Silêncio: A Prática do Zen na Vida Diária, Pensamento, São Paulo, 1995.

2. J. Hayward, O Mundo Sagrado, Roço, RJ, 2002